Febril é um espetáculo de narrativa fragmentada e intensa, adaptado do romance O idiota de Dostoiévski. Utilizando do mesmo dispositivo que autor se serve em uma de suas novelas curtas, A Doce Criatura, a encenação também começa pelo fim. O assassinato de Nastácia Filíppovna é o que conduz o espectador aos acontecimentos do romance, que se transformam em peças de um quebra-cabeças que serão apresentadas através do olhar do Príncipe Míchkin em busca dos motivos que levaram ao assassinato da personagem controversa. Fantasmas de uma memória atordoada e doentia, os personagens nesta adaptação são partes que ajudam a entender as razões do crime. Imersos em um ambiente decadente, em uma Rússia em processo de transformação, indo ao encontro dos valores ocidentais e perdendo sua tradição única, esses personagens estão perdidos pela crise gerada “com a Morte de Deus”, estão em nova configuração subjetiva de um mundo material e empírico, se afastando cada vez mais de qualquer relação metafísica. Neste cenário de personagens demasiados humanos, um homem cruza seus caminhos, um cristo renegado, um redentor realista e, em última instância, um idiota, o Príncipe Míchkin é a figura da salvação perdida, inútil para o caminho que a humanidade, na visão de Dostoiévski, caminha.
Com uma banda que toca ao vivo ditando o ritmo acelerado da montagem e uma instalação cênica que é formada por luzes em vermelho neon, a atmosfera febril se completa com a narrativa fragmentada e ágil. Atores e atrizes se entregam a experiência de compor personagens intensos e viscerais, que através de torções físicas proporcionam a visão de figuras que perdem o controle de suas atitudes e são devoradas pela força opositora de suas paixões exarcebadas, incontroláveis e avassaladoras a qualquer ideia racionalista.
A trilha sonora visa passear pela música eslava e Russa, com influências dos cânticos ortodoxos, mas não deixando de lado o universo dos ritmos brasileiros, o rock, o jazz e outros estilos universais. “Buscamos sonoridades quentes e que visem acompanhar a atmosfera única da poética de Dostoiévski, utilizamos de inúmeros instrumentos e artifícios visando diversificar os arranjos mas mantendo uma referencia e um caminho que remeta as harmonizações da música sacraortodoxa da Russia”, comenta o diretor musical Pedrinhu Junqueira. A instalação cênica do artista plástico e iluminador Tomás Ribas (Prêmio Shell 2014 de Melhor Iluminação) é absolutamente pertinente ao espetáculo, pois vai diretamente ao encontro das direções que a peça toma e deste modo potencializa o tom que a encenação produz. Ela fortalece a atmosfera de intensidade que a obra de Dostoiévski imprime.
O diretor Pedro Emanuel, que também assina a adaptação, comenta que “realizar esta pesquisa a partir do trabalho contínuo de uma companhia teatral é engrandecedor, pois exige dos envolvidos um trabalho atento e redobrado. Levar para o teatro um romance como O idiota é, certamente, uma aventura árdua e desafiante para qualquer um que tenha como objetivo o trabalho cênico. E o príncipe Míchkin, incapaz de entender as exigências que a vida prática demanda, tornou-se um dos maiores personagens da literatura mundial. Inspirado na figura do salvador bíblico e do louco cavaleiro pobre de Cervantes, nos coloca diante de sua bondade desconcertante e de sua moléstia nervosa fora do comum.”
Durante toda a temporada de “Febril”, a instalação do artista plástico e iluminador, Tomás Ribas, estará aberta a visitação pública de terça a domingo.
Criada em 2012, a linha de pesquisa da Cia Em Obra é baseada no imbricamento de três artifícios chaves que guiam o trajeto de seu processo criativo: a edição cênica – uma adaptação do conceito de corte cinematográfico para a cena teatral (produz a fragmentação da ação e a simultaneidade de tempos distintos); a multiplicidade do espaço – como multiplicar locações em um único espaço cênico, utilizando o mínimo de recursos possíveis para esta variação; e por fim, a utilização de inserções musicais como parte fundamental de sua construção narrativa. Para isso aposta no trabalho do ator, capacitando-o a criar, editar e transformar o espaço já criado, através de jogos, gestos e textos. “Febril” é o terceiro espetáculo do grupo e a consolidação do trabalho de pesquisa que vem realizando nestes anos. Os espetáculos anteriores são: “Não Há Melhor Lugar do Que a Nossa Casa” (2012; texto e direção de Pedro Emanuel), drama familiar que narra os episódios de um casal, desde o início do relacionamento até a degradação de seu matrimônio; simultaneamente é exposto a saga de três irmãos. “O Confuso e Misterioso Roubo das Vírgulas” (2013; adaptação e direção de Pedro Emanuel), musical infantil que conta a história de três amigos que procuram o culpado pelo roubo das vírgulas de cartas, receitas, contas e artigos. Este espetáculo foi eleito pela Revista Veja Rio uma das 5 melhores peças infantis de 2013.
SERVIÇO
Febril
Direção e Adaptação: Pedro Emanuel
Com a Cia em Obra e a Banda Irmãos Fiodorov
Elenco: Ana Luiza Cunha, Eduardo Parreira, João Lucas Romero, Julia Mendes, Mario Terra, Paula Valente, Pedro Casarin, Rubi Schumacher e Zeca Richa. Stand in: Sônia Margarita.
Sinopse: Adaptação da obra O idiota de Dostoiévski. O assassinato de Nastácia Filíppovna é o que conduz o público e atores aos acontecimentos do romance, que se transformam em peças de um enorme quebra-cabeças que serão apresentadas ao espectador através do olhar do Príncipe Míchkin.
Local: Centro Cultural Justiça Federal. Av. Rio Branco 241, Centro, Rio de Janeiro. Tel. (21) 3261-2565
Reestreia: 2 de agosto, às 19h Temporada: 2 de agosto à 31 de agosto. Quinta à domingo, às 19h Ingresso: R$ 30,00 (inteira) e R$ 15,00 (meia)