Pela primeira vez os contos de Crônicas de Nuestra América, escritos pelo diretor, dramaturgo e ensaísta Augusto Boal, são adaptados para o teatro em espetáculo homônimo que estreia dia 21 de Agosto, no Oi Futuro do Flamengo. A encenação de Gustavo Guenzburger conta com o aval do Instituto Augusto Boal.
Escritas no período de 1971 a 1976, quando Augusto Boal (1931-2009) encontrava-se exilado em Buenos Aires, estas pequenas histórias são um retrato da vida cotidiana na América Latina dos anos 70. Cada uma delas, à sua maneira, aborda de forma bem-humorada a capacidade latino-americana de superar as dificuldades e de encarar a vida de maneira sempre otimista. Através da publicação regular destas crônicas no jornal O PASQUIM, Boal reata pela primeira vez seu vínculo com o público brasileiro após sua prisão pelo regime militar e consequente exílio. Em 1977, estas histórias são publicadas em conjunto sob o título de Crônicas de Nuestra América. Todas elas trazem o olhar crítico, irônico – e muitas vezes engraçado – do escritor Augusto Boal, em uma faceta ainda pouco conhecida de sua obra: a do cronista mordaz e bem-humorado dos tempos obscuros da ditadura militar.
Para a tarefa de adaptar a obra, o produtor Luiz Boal, primo do teatrólogo, escalou o autor Theotonio de Paiva.
“A voz do vendedor de jornais chegando toda tarde pontualmente ao primeiro andar do sobrado onde morávamos (na Argentina) arrancava Boal da sua máquina de escrever. Toda tarde, no horário da melancolia, ele descia as escadas para comprar La Razón e buscar, e muitas vezes encontrar, histórias engraçadas, tristes, estapafúrdias que, imaginadas, eram transformadas nestas crônicas deliciosas, irônicas e safadas que líamos as vezes nos jantares dos sábados para grande deleite de um grupo de amigos brasileiros exilados aos quais se somava o sempre bem vindo Eduardo Galeano, outro latino Americano”, comenta Cecília Boal, mulher do teatrólogo e presidente do Instituto Augusto Boal.
Para a Apresentação da 1ª edição de Crônicas de Nuestra América, ainda em Buenos Aires, Boal escreveu em Março de 1976: “Estas são todas histórias verdadeiras – histórias que o povo andou me contando, aqui e ali, nestas viagens que eu, errante, ando fazendo desde que sai do Brasil, em 1971. Alguns personagens eu conheço, eu vi; outros, só de ouvir dizer. Nalguns lugares estive – descrevo como reporter. Outros me descreveram – escrevo do mesmo jeito. Estas são todas histórias dos povos de Nuestra América. Nuestra América – aquela de se opõe à América com K! Nuestros Americanos – aqueles que sofrem, pelejam e que um dia se libertarão!”
É justamente nesta atmosfera de liberdade criativa, de um realismo que pode ser fantástico, cruel ou simplesmente farsesco, que o diretor Gustavo Guenzburger se debruça na proposta de encenação do espetáculo “Crônicas de Nuestra América”. A partir de situações aparentemente verossímeis, a cena deverá seguir a trilha lúdica do escritor Boal, que por sua vez parece se inspirar nos sinuosos caminhos narrativos dos grandes escritores latino-americanos, como Jorge Luis Borges, Gabriel García Márquez e Julio Cortázar.
“A adaptação de Theotonio de Paiva é centrada no conto "O 'Gato', a mulher de Johnny e a bicicleta a motor", que se passa nas desenraizadas Ilhas Falklands (território inglês, "terra de ninguém"), possibilitando para o espetáculo o olhar desterrado que Boal teve ao escrever as crônicas. Algumas das outras crônicas aparecem contadas por personagens da Ilha, como se fossem “impressões sobre o continente”. O meu trabalho como diretor nesta montagem é o de fazer convergir toda a riqueza deste material humano e artístico para uma cena que dê conta do realismo Boaliano, onde a normalidade existe apenas para despistar o fato de que nada deveria ser considerado normal ao sul do equador. Dirigir as Crônicas de Nuestra América é topar de novo e sempre com um continente em eterno e camuflado estado de exceção. Levantar as cenas aqui é antes descobrir, através dos corpos dos atores, que no continente de Boal cada tipo comum esconde uma humanidade sempre complexa, atrelada a um sistema onde relações aparentemente banais revelam a chance de nos perguntarmos sobre as razões que desviam o ser humano de seu caminho, e o levam a oprimir o outro e a si próprio”, comenta o diretor.
Doutoranda em Artes Cênicas pela Unirio, pesquisadora da obra de Augusto Boal, a atriz Clara de Andrade conta “Realizei meu mestrado sobre o exílio de Augusto Boal, e as Crônicas de Nuestra América chamaram atenção justamente por trazerem o olhar exilado de Boal. Agora, no doutorado, acabo de ter a chance de testemunhar que aquele mesmo teatrólogo que nos anos 50 ajudou a trazer para o Brasil os métodos de Brecht e Stanislavski, é quem fez com que a América Latina pudesse, também, exportar um método teatral para o mundo, hoje vivo e atuante em países tão diversos como a França e a Turquia. Contar essas histórias latino-americanas no palco, como atriz, é uma forma de viver a pesquisa em cena e de experimentar novas possibilidades para a questão da identidade da América Latina”. Clara de Andrade é autora do livro “O exílio de Augusto Boal: reflexões sobre um teatro sem fronteiras”, que será lançado em setembro de 2014, pela Editora 7Letras.
Com patrocínio da Oi, Governo do Rio de Janeiro e da Secretaria de Estado de Cultura por meio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Rio de Janeiro, apoio cultural do Oi Futuro, o espetáculo “Crônicas de Nuestra América” é uma realização da Olhar Brasileiro Produções Artísticas a partir de projeto idealizado pelo Instituto Augusto Boal em conjunto com Cecília Boal, Luiz Boal, Clara de Andrade e Gustavo Guenzburger.
Serviço
Texto: Augusto Boal
Direção: Gustavo Guenzburger
Adaptação: Theotonio de Paiva
Elenco: Adriana Schneider, Clara de Andrade, Carmen Luz, Henrique Manoel Pinho, Larissa Siqueira e Lucas Oradovschi.
Local: Oi Futuro – Rua Dois de Dezembro 63, Flamengo – RJ. Tel. 21 3131-3060
Valor: R$ 20.00