Espetáculo resgata a cultura popular nordestina
O “Ninõ de Artes Luiz Mendonça” localizado no boêmio bairro da Lapa é sinônimo de resistência cultural. O espaço que é de propriedade da atriz Ilva Ninõ persiste desde os tempos em que não se falava nem mesmo de uma possível revitalização que iria além dos arcos.
A atriz e diretora se mostra forte e mesmo sem apoio governamental, enfrenta o movimento dos bares e da prostituição para levar sua arte em um dos mais charmosos bairros cariocas. Pela força do fazer artístico de um dos nomes mais respeitados do nordeste nasce “A Incelença” um texto de Luiz Marinho, dirigido por Camilla Amado.
O espaço é pequeno, o palco ali no fundo nos convida a olhar. Estamos inseridos dentro da realidade de Dona Sindá (Ilva Ninõ). É importante ressaltar que apesar do clima seco o que nos é apresentado é a face alegre do matuto, é a tragédia com muito humor. Sentado começo a percorrer os olhos entre peças de roupas espalhadas pelo varal que liga o público ao palco. A cenografia é assinada por José Dias e consegue nos trazer para o cotidiano desta mulher que acaba de perder o marido.
Não somos agora apenas público, somos convidados do velório de Quirino (Geraldo de Andrade), ali somos abraçados pelo elenco que adentra o espaço. O público (convidado) está em casa e é possível perceber que alguns chegam a balbuciar algumas palavras no ouvido dos atores.
A saga deste enterro, o canto das incelenças é recheado de sons, rimas e expressões típicas que nos levam para outros tempos ou para um nordeste distante... muito distante da minha realidade. Os atores vindos de todos os cantos do país beberam de uma água diferente e mergulharam em uma rica pesquisa de regionalismos. As rezas e a comicidade de um povo presente na tragédia da morte.
A iluminação não apenas cumpre seu papel como nos transporta para outro lugar. O trabalho de Pablo Rodrigues é rico e estudado. Percebe-se o cuidado em cada ponto escolhido. O figurino é assinado por Miza Serra e Ilva Ninõ, sem grandes arroubos cumprem a função e destacam características principais de suas personagens por meio de uma palheta de cores bem escolhida.
O texto de Luiz Marinho está mais vivo que nunca e fica claro a intenção de resgatar a busca pela linguagem própria do Teatro Brasileiro. Apesar disso ainda era possível realizar alguns cortes em momentos de “piadas” inseridas que acabam interrompendo a narrativa ao invés de colaborar com a história.
No elenco alguns jovens atores desempenham bem a tarefa de cantar e contar “as incelênças”. É importante ressaltar os nomes de Joelma Di Paula, Marcelo Tosta e Allan Pellegrino. A atriz Marcia Valeria conduz com maestria o canto das incelenças e vai costurando cada uma das cenas.
Apesar disso é triste ver no elenco atores desconcentrados que acabam fazendo com que o público lembre que está ali dentro da caixa preta. Não é uma questão de verdade cênica, mas de estar em cena. Atores com tempo de carreira que ainda gritam em cena e acreditam que isso seria energia de cena merecem um curso de reciclagem. Era preciso mais unidade entre os atores.
É importante dizer que quando se acha que tudo está pronto é porque está na hora de recomeçar e fazer tudo novamente. Teatro ainda é a arte do instante e a exaustão é sempre o melhor caminho para a perfeição. Claro, dentro de cada linguagem. É preciso dizer que a montagem de “A Incelença” cumpre seu objetivo resgatando a cultura popular nordestina.