CRÍTICA | Lingua

Espetáculo surpreende com texto, elenco e direção

A sede da Cia dos Atores, na Lapa abriu as portas e a cena para uma das montagens que mais me surpreenderam nos últimos tempos. Subindo a famosa escadaria de azulejos me deparo com o cartaz da peça “Língua”, que conta com a direção de Anja Bittencourt e texto de Humberto Assumpção. Uma grata surpresa!

A comédia parece ter um tom despretensioso até segunda ordem. Quando entro me deparo com uma língua gigantesca pintada em uma lona que lembra a arte de rua. Dois atores vivem situações cômicas, em um espetáculo dinâmico e irreverente. É importante dizer que a peça tinha tudo para ser mais uma das tantas comédias em formato de besteirol que temos espalhadas pela cidade, mas ela vai além, com uma estética diferente que abusa do trabalho do ator.

O texto é rico e inteligente. Humberto Assumpção cria situações hilárias através de questões de comportamento. São encontros e desencontros absurdos e mal entendidos que acontecem com dois casais.  Como a mesma cena poderia ser diferente de acordo com a entonação usada ou com o que é dito?  Como podemos mudar situações com apenas uma palavra mal empregada? Saí do teatro refletindo como é interessante o poder de reflexão que temos sobre outras tantas situações que vivemos em nosso cotidiano.

O release da montagem apresenta um pouco do que poderá ser visto na sede da Cia dos Atores : “O ator, Flávio Carriço, que a principio leva nos caracteres do personagem, uma construção de um tipo simbolista de macho com a proposta de depois interpretar uma fêmea de porte nada intelectual, que na história é a amiga da personagem de Humberto Assumpção que na primeira parte faz uma fêmea erudita e depois um ogro em forma de pessoa, amigo do macho man (Flávio).” Tenho que ressaltar que com a direção de Anja Bittencourt os atores brilham e vão além.

A direção optou por uma estética limpa e trabalha os atores em todos os campos e planos. Cenas e subcenas são montadas diante do público. O espetáculo fica ainda mais amarrado com a trilha e iluminação escolhidas.

O figurino tem uma base neutra, acessórios não são usados... É o ator em cena. Como sentia saudades em ver o trabalho do ator sem a maquiagem de tantos efeitos. É possível ver essas mulheres... é incrível rir desses homens. Todos criveis e sem aqueles tipos que nada lembram um trabalho de construção de personagem.

Humberto Assumpção e Flávio Carriço brilham em cena. Fica claro ao público a generosidade de ambos durante a montagem. É delicada, surpreendente e prazerosa a parceria da dupla. O trabalho dos dois atores merece uma série de aplausos e assobios.

Essas quatro personagens podem muito bem estar circulando por ai. Seja em Copacabana, no Catete, na Tijuca ou no Leblon...mas ainda dá tempo de prestigiar o trabalho de qualidade na Lapa. Língua é imperdível!