A estreia para a classe artística foi surpreendente com uma plateia formada por profissionais e técnicos de espetáculos. Para se ter uma ideia o público presente ovacionou o elenco por cerca de quatro minutos após o encerramento da peça. Um espetáculo que emociona, comove, inquieta, provoca, causa reflexão e ainda nos faz rir de nós mesmos. Uma crônica tão real do lado negro carnaval que assusta e incomoda com a imprevisibilidade do texto e da direção de Inez Viana.
Um jovem autor promete despontar no cenário teatral nacional. Estamos falando de Diogo Liberano que aborda o colorido do carnaval com outros tons. É claro que o fato e o tema não agradaram a muitos que acreditam que a peça pode destratar a imagem da Cidade Maravilhosa. Para mim Diogo apenas enxerga a festa da carne de um outro prisma (tão claro para tantos e tão obscuro para aqueles que não querem ver).
O espetáculo apresenta Henrique (Paulo Verlings), jovem pai de família casado com Wanda (Carolina Pismel), que após o enterro da mãe se vê decidido a colocar fim à própria vida. É neste momento que lhe surge um emprego como assistente do bicheiro Diaz (Márcio Machado), presidente de uma grande Escola de Samba do Rio de Janeiro.
Aos poucos vemos que cada um tem seu preço e quem de fato lucra e sofre com o grande mercado das alegorias. O que está por trás do Carnaval? Dos grandes eventos? De toda aquela propaganda turística que se faz sobre o Rio de Janeiro? Quem vive as dores e os amores dos resultados? Todos de fato tempos um preço? (Momento propicio para essa discussão, não?) São perguntas como estas que ficam por ali, girando e girando nos pensamentos que vão em buscas de respostas.
No espetáculo de Liberano os destinos das personagens vão surpreendendo em um enredo nada previsível e absolutamente possível e palpável. De fato estamos diante de uma tragédia contemporânea muito bem dirigida por Inez Viana.
A direção trabalha com o corpo do ator, o movimento que nos parece baseado em passos de dança do samba. A concepção das personagens pode parecer rasa, mas todos tem grandes vontades e contra vontades extremamente explicitas ( não me atrevo a dizer que estão caricaturados).
A cenografia de Luiz Henrique Sá é brilhante e usual sendo muito bem aproveitada pela direção com cenas e sub cenas, abusando dos planos alto, médio e baixo. As personagens ganham seus espaços cênicos de forma bem dividida e nada literal. Os andaimes nos transportam para outros signos, me parece que tudo está em construção, em andamento e ao mesmo tempo o destino de todos está traçado dentro de um projeto arquitetado por quem vê o mundo de cima.
A iluminação é assinada por Paulo César Medeiros que brilha auxiliando a contar a história e ajudando a conduzir o público maravilhado com a encenação. Os figurinos de Flávio Souza entram em cena apresentando as personagens através de uma cartela de cores bem definida e personalidade no corte e nos tecidos.
No elenco podemos dizer que todos estão incrivelmente maravilhosos e nos surpreendem em suas entradas e saídas. É importante destacar a atuação de Márcio Machado, o ator vem crescendo e se destacando no cenário teatral e mostrando a cada dia sua versatilidade e pesquisa. Carolina Pismel pode cuidar um pouco da articulação e projeção vocal, mas sua Wanda comove a plateia e segura o olhar de cada um dos presentes até o último instante.
Maravilhoso é um daqueles espetáculos que nos faz ter orgulho de ir ao teatro, de fazer parte deste universo e acreditar na formação de plateia. É um daqueles trabalhos que nos relembra a grande motivação de continuar atuando, produzindo ou simplesmente assistindo teatro. Maravilhoso!