Em um passado e um presente de manifestações populares tão familiar em nossos dias atuais, “ Nem mesmo todo o Oceano”, baseado no romance de Alcione de Araújo e com direção de Inez Viana, nos apresenta os primeiros anos do golpe militar brasileiro, a partir do relato ficcional de um jovem médico, responsável por avaliar os torturados pelo regime.
Em um palco nu, a concepção cenográfica de Cláudia Marques e da própria Inez faz com que os atores multiplicam-se durante a composição do espetáculo, vivendo todos os personagens necessários ao mesmo tempo, em um desenrolar magnífico no qual o público acompanha muito bem graças a excelente atuação dos mesmos.
Nesse cenário imaginário, os atores com ajuda de cadeiras nos remetem aos anos de chumbo da ditadura militar.
A direção e texto de Inez Viana é um espetáculo a parte, sem deixar o público perder o fôlego, tanto no desenrolar da história, quanto na marcação de cena dos atores e na atuação destes durante todo o tempo em que os mesmo têm que colocar e tirar objetos do palco para dar mais realidade às cenas.
Leonardo Brício encabeça o elenco, vivendo um jovem que vem para o Rio de Janeiro para estudar medicina, e após tornar médico passa a conhecer o sucesso e defrontar-se com a truculência e os beneficiários deste êxito. É, sobretudo o relato da marcha de um homem na direção de um destino inexorável e absolutamente patético; o qual Bricio faz com excelente desempenho, esbanjando uma performance de grande convicção. Os demais atores completam o elenco com sabedoria, acompanhando lado a lado o personagem principal e, sem perder o foco, todos brilham em cena em uma sintonia fora do normal.
A iluminação de Renato Machado, juntamente com o figurino de Flávio Souza ou a ausência de ambos em certa parte do espetáculo, nos traz a imediata identificação de uma das mais agravante e dolorosa época do nosso país e a era da inocência perdida.
A trilha sonora é assinada por Marcelo Alonso Neves e insere o publico no universo dos personagens e da época; trilha esta que é feita muitas vezes nas próprias vozes dos próprios atores com sons que se ouviam em tempos de ditaduras como tiros, bombas e hinos militares.
Perguntas transcendentais se colocam em abundância ao longo da peça. Uma batalha entre o amor, a raiva, a liberdade, a riqueza, a pobreza, além de clássicas questões sobre o comunismo versus o capitalismo, o bem e o mal e até mesmo sobre as manifestações da ditadura e dos dias atuais colocam a peça em um universo familiar, confundindo-nos se estamos na década de setenta ou no século XXI. No entanto, no fim de tudo, essas teses são inevitavelmente enterradas na unidade familiar disfuncional devastada pelo abuso e traição.
Um espetáculo repleto de consciência e verdades que busca a todo custo contar uma história sincera e bastante realista. Um trabalho repleto de emoção que deve, sem dúvida, entrar para galeria de um dos mais interessantes do gênero.