Partindo de uma premissa já bastante explorada, porém, ainda interessante, a peça Olheiros do tráfico, em temporada na Casa da Gávea até o próximo 23 de fevereiro, relata a trágica realidade de diferentes jovens brasileiros que entregam, como algo fugaz e impreciso, suas vidas para o ardiloso mundo do tráfico.
A história de Tavim e Crika, escrita por Moisés Bittencourt, nos arremessa, em alguns momentos, contra a parede na falsa tentativa de ser cruel mas, infelizmente, o resultado acaba sendo negativo e o excesso de palavrões contidos no drama esconde o que poderia ser o diferencial da temática aqui usada. No geral, o conto desses dois adolescentes que fazem de tudo para esconder a forte amizade que um tem pelo outro, sob uma frouxa carcaça de se impor como o mais valente, tem um resultado final muito bom e, diferente de muitas outras estórias, não deixar cair o ritmo, nem por um segundo.
A direção também leva a assinatura de Moisés Bittencourt que, entre erros e acertos, tem méritos. A começar pela escolha de uma trilha sonora sublime e precisamente bem pontuada, deixando praticamente de lado o exagerado uso do funk, muito utilizado em relatos como esse, e dando espaço para a inconfundível voz e música de Caetano Veloso que tem seu espaço reservado em diferentes momentos da peça. A marcação criada pelo diretor, através de um cenário simples, porém, eficiente, inicialmente nos leva a entender um certo tipo de atraso no tempo de ação dos atores em cena, mas, no decorrer da estória, percebemos que a ideia é totalmente proposital e, somando ao forte final que nos é entregue, torna-se simplesmente um engenhoso ato criado por Moisés.
Os atores Bruno Suzano e Sandro Barçal dão vida aos caricatos Tavim e Crika, respectivamente. É possível perceber a igualdade da atuação de um para o outro na peça, um ótimo equilíbrio e outro préstimo do diretor. Entretanto, fica mais que claro a falta de continuidade na composição de cada uma das personagens. Os trejeitos criados por eles se perdem no decorrer da apresentação e reaparecem com diferenças exorbitantes quase no final da mesma. Mas, mesmo que exista certas falhas nos trabalhos, vale a pena ressaltar a entrega dos dois e a química entre eles, garantindo a diversão do espetáculo.
A iluminação de Frederico Eça e a sonoplastia de Daniel Costa agem em conjunto fornecendo a nuance necessária para o espetáculo. Todavia, o uso demasiado da máquina de fumaça, para o local em que a peça é encenada, atrapalha e faz desaparecer belíssimos contrastes gerados no transcorrer das cenas. Já a sonoplastia não comete equívocos e nos concede uma perfeita sintonia com a tragédia aqui relatada, fornecendo mais veracidade e, por assim dizer, credibilidade à representação.
Com uma estrutura amarrada para ser uma grande lição de moral para a sociedade dos dias de hoje, “Olheiros do tráfico” merece ser visto, pois é um relato visceral de uma realidade ainda vivida por muitas famílias.
Peça: Olheiros do tráfico
Crítica por: DS. Gravelli
Fevereiro de 2014