Assim como é inevitável o passar do tempo, as lembranças que carregamos em nossa memória faz um marco na vida de cada individuo. O espetáculo teatral ‘O Homem Que Tinha Memória’ é uma mistura de dor, humor, poesia e insistência, numa narrativa contada por 3 atores.
O espetáculo é dividido em três monólogos, cada um, contado e interpretado, narrando um pouco sobre homens em que o tempo e a memória são dois marcos importantes em suas vidas.
Quando se entra no Poeirinha (teatro onde o espetáculo está em cartaz) existe um tecido branco transparente que fica balançando levemente dando uma sensação de estar entrando em ‘outra orbita’ e logo de cara, são expostos objetos extremamente representativos para a narrativa dos textos, mas como o público brasileiro não é de se importar com informações visuais subliminares, para alguns pode passar despercebidos, para outros aguça a imaginação e a memória, que será testada adiante.
As arquibancadas foram mexidas, formando uma espécie de meia lua, para que seu olhar se prenda no canto onde as estórias serão expostas. Os contos são dou autor suíço Peter Bichsel presentes no livro ‘O Homem Que Não Queria Saber Mais Nada e Outras Histórias’. O título do espetáculo é também o mesmo do primeiro conto.
Mas antes de tudo, como uma forma de introdução, os atores pegam duas cadeiras e um banco e se sentam para conversar com o público. O ponto de partida são eles nos contando memórias de manias ou coisas inusitadas que faziam quando eram mais jovens. Depois pedem para que seus espectadores contem suas experiências. O fato é que essa introdução pode ser um tiro no escuro, mesmo sendo interessante. O público pode ser caloroso e contar coisas divertidas sobre suas vidas como podem permanecer em um silencio constrangedor. Mas acredito que sempre haverá alguém na plateia para agraciar a reciprocidade desse diálogo.
Após essa introdução começa a contar as estórias. A primeira intitulada ‘O Homem Que Tinha Memória’, feito por Edison Mego narra sobre a vida de um homem que ficava na estação de trem, e decorava todas as informações como horário de partida e de chegada, até onde os trens iriam e quando chegariam e etc. Sem cenário algum, com o ator vestido de forma à caracterizar a personagem e segurando uma mala, todo o conto é expostos nos fazendo perceber uma nostalgia e um humor pouco conhecido por nós brasileiros. Mesmo com um sotaque bem carregado Mego consegue nos prender a atenção devido as suas ações no decorrer da estória.
Para começar a segunda, duas mesinhas e um painel são colocados. E começa uma brincadeira com a luz, bem interessante, pois além da iluminação presente no teatro há luminárias presas as mesas, onde Warley Goulart nos agraciará com ‘Uma Mesa é Uma Mesa’. Nessa estória mais um homem, podemos dizer carregado e cansado da vida que leva, decide mudar o nome das coisas até tal ponto onde cria uma nova língua e a comunicação com outraspessoas se torna complicada. Nessa hora, o painel que poderia ser apenas um adorno de cena, começa a ganhar a função de auxiliador, para que possamos decorar e compreender a nova linguagem criada por este homem. Assim, Goulart começa a fixar desenhos e palavras no painel para a compreensão da estória, engraçadinha, mas no fundo triste e solitária.
Para a última estória, o painel muda de lado uma das mesas saem de cena e é colocado um tecido no chão. No qual podemos nos perguntar a todo momento o que afinal de contas serve esse tecido no chão. ‘A Terra é Redonda’ interpretada por Cadu Cinelli conta sobre um homem que descobriu que a terra é redonda e criou uma fixação de que teria que dar a volta na terra em linha reta. Este homem começa a listar tudo que precisará para cumprir sua meta. O painel ganha a mesma função da estória anterior, e são fixados imagens para facilitar o entendimento da consolidação do sonho desse homem. Talvez seja a estória mais devagar, no sentido de apresentar aos espectadores funções que ali já foram executadas. Porém, dotado de uma dicção impar, Cinelli consegue derramar as palavras em nossos ouvidos a nos fazer confundir e utilizar a nossa memória para encaixar o quão importante e pretencioso é os planos desse homem.
A trilha sonora é leve e aconchegante a todo momento, por o Poeirinha não ser um teatro grande, a iluminação bem desenvolvida, torna um espetáculo intimista, leve e interessante de se assistir. O mesmo são estórias agraciadas pela lembrança e a importância dela. Onde percebemos que todos nós somos homens e que temos estórias guardadas, e mesmo uma mesa sendo uma mesa a nossa imaginação é capaz de transformá-la em qualquer coisa e ainda que a terra seja redonda, ela gira, o tempo passa, mas a única coisa que fica são as nossas memórias.
E o pano no chão? Bom, o pano no chão é você que deve compreender o quão importante ele é para todo o espetáculo. Aplausos.
Peça: O Homem Que Tinha Memória
Temporada : 09 de Janeiro à 9 de Fevereiro de 2014 no Teatro Poeirinha
Por: Paulo Oliveira