Salve a resistência
Irreverência é a palavra que marca o público que confere a montagem de “Dzi Croquettes em Bandália”. Não se trata de um momento revival, mas de um espetáculo que remonta o universo de um dos grupos que mais marcaram o cenário teatral brasileiro.
O primeiro show do Dzi Croquettes foi realizado em plena ditadura militar, mais precisamente no ano de 1972. Homens usando roupas femininas, salientando ainda mais o estilo andrógeno. Vestidinhos, meias-calças, saltos altíssimos, maquiagem pesada, imensos cílios postiços em performances de dança, esquetes de comédia, em um espetáculo inclassificável. Posso dizer que a montagem que segue curta temporada no Teatro Clara Nunes também se enquadra nesse adjetivo: Inclassificável.
Com um discurso denso e ideologicamente marcado pelo fortalecimento da cultura nacional, dos musicais nacionais e da abordagem de temas brasileiros começava Dzi. Era incrível pensar na experiência que aquele grupo de jovens atores estava tendo com o representante da primeira versão, Ciro Barcelos, que assina a direção.
No palco o elenco brilha. Ciro Barcelos, Wilson Procópio, Franco Kuster, Thadeu Torres, Pedro Valério, Cleiton Leite Morais, Kiko Guarabyra, Leandro Mello, Demétrio Gil, Sonny Duque, Kostya Biriuk. O público ainda conta com a participação especial de Bayard Tonelli. A direção soube aproveitar o trabalho de cada um dos atores. Todos muito bem afinados, com performances bem coreografadas e cenas de humor que arrancam risadas. Hora pela ousadia, hora pela delicadeza. Leandro Mello é show cantando Elis Regina. Aplausos e assobios para o ator que tem uma linha de humor incrível. Vale ressaltar que todos tem ótima presença cênica e trabalho de concepção de personagem impecável. Podemos dizer que são novos integrantes do “Dzi”. Também pudera, Ciro escolheu os melhores de uma seleção com mais de 450 atores-bailarinos.
Claudio Tovar que também faz parte do grupo original assina os figurinos. Impecável. Cada uma das trocas tem o tempo certo e o trabalho de Tovar bilha em conjunto com a cena e com a iluminação. O designer de luz é assinado por Aurélio Simoni. O tom sombrio e dark. A luz na cara do público. Tudo ajuda na atmosfera proposta pela direção de Barcelos.
A cenografia de Pedro Valério é um destaque a parte. Usual. Tudo com utilidade cênica e de uma beleza que faz os olhos percorrerem cada centímetro daquela garagem de ensaios. Lindos os detalhes que nos prendem, nos chama e ajuda a contar a história do “Dzi”.
A linha dramatúrgica da montagem poderia ser mais valorizada, apesar que sou obrigado a confessar que saborear o universo do “Dzi” é uma experiência única.
Um momento da montagem me chama a atenção é quando o grito é dado: “Estamos vivendo o fim da ideologia”. Sou obrigado a dizer que concordo, quando vejo espetáculos artisticamente pobres e sem fundamentação. Quando percebo que o público sai sem questionamento e sem reflexões. Quando o artista deixa de ser questionador, de ser aquele que aponta, que utiliza da arte como ferramenta de transformação social. Só posso dizer que é graças a montagens como “Dzi Croquettes em Bandália” que isso não ocorre. É por conta de grupos como este que afirmo: Ainda temos muitos lutando por suas ideologias. É assim que entra em cena um espetáculo sem patrocínio da Prefeitura do Rio e de todos os outros Brás. Salve “Dzi”!!!