Dias de Setembro

 

Lucas Sancho brilha em cena com atuação e dramaturgia

 

Eles foram chegando aos poucos, tímidos, logo ocuparam seus lugares na arena criada por Lucas Sancho. Todos ali, presentes durante aquele pequeno lapso de tempo que se abriu entre a entrada e a saída do teatro. Em algum momento confesso que me esqueci que estava ali com aquele compromisso de ator e plateia. O ator que representa e a plateia que escuta. Logo depois realmente me esqueci, já que estava convidado a fazer parte deste espetáculo.

 

Se “Dias de Setembro” tinha tudo para ser apenas mais uma montagem em cartaz no circuito teatral carioca, com uma temática por vezes repetida, a proposta o fez diferente e eis, que ali diante dos meus olhos, nascia um novo olhar sobre a dramaturgia, sobre o ator em cena e sobre o fazer teatral.

 

A plateia é colocada em pauta. Seus questionamentos, suas dúvidas, suas histórias, as relações de amor e não amor. É uma grande responsabilidade que pode a qualquer momento derrapar nas mãos do ator criador. Não Lucas Sancho, que domina a cena e o olhar do público como poucos. Dono de uma voz suave que nos conduz a criar outras tantas imagens, o ator possui uma delicadeza e ao mesmo tempo uma tal cumplicidade que comove. É ali que choro, que me emociono e caio em mil gargalhadas. Tudo isso é possível não apenas por conta do fio condutor do espetáculo, mas também graças as outras histórias que são compartilhadas nesta noite fria de setembro.

 

O monologo trata da relação homo afetiva de Henrique e Eduardo, mas conhecido como Dudu. É bonito perceber, mas até o final, todos já estamos muito íntimos das personagens e apesar de Dudu não estar ali, é quase que possível toca-lo em qualquer uma das paredes ou elementos de cena.

 

Segundo o release recebido, a peça tem como inspiração a ideia de “amor fluído”, do sociólogo Zygmunt Bauman.

 

“Bauman  defende o processo de liquefação dos laços sociais como uma instauração da modernidade, caracterizada principalmente pela incerteza em todos os campos da interação humana e a ausência de padrões reguladores precisos e duradores”.

 

Temos ai também uma outra forte referência que aparece claramente na dramaturgia de Sancho.  Trata-se do livro “Os dragões não conhecem o paraíso”, de Caio Fernando Abreu; “ O livro narra à história de Henrique, um rapaz que, numa noite fria de setembro, tenta escrever uma carta de amor para Eduardo, seu ex-namorado. Após um ano de separação, Henrique tenta entender as verdades do amor contemporâneo.”.

 

O que é mais interessante e que preciso ressaltar é que o público se esquece de que se trata de uma relação homossexual e percebe que tudo que está ali é pertinente e que pode ser a história que qualquer um de nós.

 

Se hoje se busca tanto o amor, a idealização de quem é amado... Como este amor se materializa de fato na contemporaneidade? A discussão da traição e o sexo fácil, isso para ambos os gêneros. De fato estamos vivendo outros tempos, onde o amor se encontra em outros papeis. Até que ponto somos carentes, estamos apaixonados ou nos decepcionamos com cada um de nós? Quanto vale o amor? O que faço para deixar de amar? Como posso começar a amar?

 

Deixo a pergunta lançada por Henrique (personagem do espetáculo): - Se você pudesse mudar algo em sua vida...algo que deu errado, você mudaria?

 

Nos conduzindo por este universo, estamos então inseridos neste grande divã, dentro de um apartamento, em uma noite fria de setembro. Ali estão as lembranças, inquietações e as maiores emoções de Henrique (e porque não as nossas?). Tenho certeza que cada um deixou um pouco de suas histórias ali dentro, naquelas paredes, naquele Solar.

 

A encenação é conduzida por Sancho com muita particularidade. A cenografia nos remete a este apartamento. Todos os objetos são extremamente usuais e o próprio ator manipula a iluminação e a sonoplastia (assinada pela Banda Encarne).

 

Se o silêncio incomoda, a chuva cai e a saudade aperta, pode ser que você também esteja em um destes dias. Pode ser em setembro, outubro ou novembro. Relembrar suas histórias pode trazer respostas e repensar que tudo o que passamos faz parte de quem hoje somos,  nos faz amar outros tantos Eduardos e Henriques que passarão por nossas vidas.

 

Vida longa ao espetáculo que será sempre bem- vindo em muitos outros meses. Aplausos e assovios para Lucas Sancho que entra em cena com garra e chega de Fortaleza com a força de quem quer escrever sua história na Cidade Maravilhosa.

 

Alessandro Moura- Jornalista

 

* Independente das críticas profissionais, sugerimos que assista aos espetáculos e faça suas próprias críticas.
* Acesse a e veja também a opinião do público geral nos comentários.

 

 

 

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